Quando desafiado para escrever um texto sobre a importância do terror, fiz aquilo que fui treinado a fazer nos anos da Faculdade de Medicina e do Internato Médico: abri a PubMed e fui pesquisar estudos científicos sobre o assunto.
Poderia ter-me concentrado em como as histórias de terror foram (e são) usadas como metáforas de perigos vários, dissuadindo as crianças, por exemplo, de se aproximarem de poços, seguindo a lógica de que temeriam mais a Maria-Gancha do que morrer afogadas.
Conseguiria discorrer sobre o uso do terror nos escritos religiosos e de como os rebanhos de fiéis são guiados por um misto de esperança e medo.
Ou poderia simplesmente afirmar que os milhões de admiradores do terror em todas as formas da arte são suficientes para comprovar a sua importância.
Mas, como disse, pesquisei na PubMed, pois interessa-me mais a perspetiva biológica do que o valor social, cultural ou de entretenimento. Para além das influências da minha formação, há outro fator que me faz acreditar que experienciar o medo de forma controlada deve ter algum valor biológico e evolutivo: a existência de pesadelos.
O nosso cérebro, sem lhe pedirmos nada e claramente contra a nossa vontade, tem a capacidade de criar cenários aterrorizadores e fá-lo interrompendo o que poderia ser uma bela noite de sono e sem qualquer motivo aparente. É-me difícil acreditar que não exista um bom motivo biológico para esta habilidade (não exclusiva dos humanos). A neurociência acredita que os pesadelos são a forma de o corpo se preparar para possíveis situações de perigo, num ambiente controlado.
É possível que, se isso é importante para nós, isso também justifique a procura do medo e de enfrentar situações de perigo controlado quando estamos despertos, sob a forma de desportos radicais, parques de diversões e terror na arte. Ou seja, para além das questões sociais e culturais, procuramos o terror por motivos biológicos.
Da minha pesquisa concluo que, infelizmente, o número de artigos científicos sobre o tema é ainda escasso, existindo, porém, alguns tópicos promissores que têm vindo a ser investigados por alguns grupos, nomeadamente o Recreational Fear Lab (https://cc.au.dk/en/recreational-fear-lab) sedeado na Dinamarca.
De entre alguns resultados, saliento um curioso efeito de medo recreativo na inflamação e no sistema imunitário (resultados a necessitar de mais investigação); um maior estado de resiliência dos fãs de terror durante a pandemia; e a sincronicidade de ritmos cardíacos quando o terror é experienciado em grupo.
Estudos de outros grupos mostram resultados preliminares do uso de filmes de terror no tratamento complementar de patologia ansiosa e depressiva, de forma promissora, mas ainda insuficiente.
A neurociência também mostra que, após a ativação do sistema nervoso simpático durante o susto, existe uma subsequente libertação de endorfinas quando se passa à fase de alívio e que justifica o prazer que sentimos após um susto em circunstâncias controladas.
Em suma, queremos continuar a trazer bons livros de terror, para que os vossos corpos sofram o medo no conforto do sofá, com os pés abraçados por umas meias felpudas e, assim, estejam mais bem preparados para os sustos da vida real.